Criado num rancho de santa fé, que
ficava próximo da casa do patrão, o dono da estância
Bom Retiro, que se chamava Dr. Eleu Salvador. Nos fundos do
velho rancho havia um mangueirão de pedras, daquelas
construídas pelos escravos. No centro da mangueira um pé
de angico, certamente quando construíram a mangueira ele
já estava ali, dado ao seu porte, uns 15 metros de
altura, com um tronco liso de tanto o gado se roçar e de
palanquear potro xucro. Ao lado da mangueira, como em quase
todas as estâncias, havia duas figueiras de copas
redondas, que, de longe, se pereciam com dois enormes guardas
chuva, verdes. Até a idade de freqüentar a escola, o
guri se criou pela volta do rancho, fazendo companhia para mãe,
enquanto brincava de tropa de osso com o irmão mais novo.
Como todo guri da campanha, esta era a brincadeira preferida,
pois, além de ouvir do pai quase todas as noites histórias
de tropeadas, via da porta do rancho, as tropas passando pelo
corredor que levava até a charqueada Santa Fé.
Durante o mate de todas as tardinhas, quase noite, o pai
contava histórias do seu tempo de tropeiro, lida que
iniciou quando tinha 13 anos, na companhia do seu pai, o velho
Raimundo, que foi tropeiro até quando pode bolear a perna
para montar no seu tordilho negro. Nas suas histórias
contadas à luz do candeeiro de querosene o pai nunca
contou, porque largou a lida de tropeiro - fato que gerava
curiosidade na cabeça dos guris. Não queria que os
filhos levassem a mesma vida, mas este era um sonho de guri, ser
tropeiro, como o pai fora. Ser um tropeiro responsável e
destemido, como o pai que nunca perdeu um único boi do
patrão em suas mais de mil tropas que conduziu pelos
corredores sem fim. Mas o certo era que o pai não queria
ver os filhos passarem pelos perigos e trabalhos árduos
que os tropeiros passam. Queria ver os filhos estudando numa
faculdade e, um dia, quem sabe, ser doutor, para não
passar pelos trabalhos que ele passou. Até falou com o
Dr. Eleu, que ofereceu um quarto na garagem da sua casa da
cidade para o guri morar quando terminasse os estudos na
escolinha da professora Candoca. O sonho de guri era ser
tropeiro, assim como o pai, passar dias seguidos gritando com a
boiada pelos corredores, no verão, dormindo ao relento,
tendo por teto a copa duma árvore, acordar cedo, antes da
estrela boieira desaparecer no céu. No inverno, dormir em
algum galpão de beira de estrada, aquecido pelo fogo de
chão, ouvindo o minuano dar "oh de casa!" pelas
frestas das paredes do galpão. Mas o certo era que o dia
do guri sonhador arrumar as tralhas e deixar a estância
Bom Retiro estava chegando, era uma questão de dias. Na
mala de garupa ia levar cuia, bomba e erva pura folha, pois
gostava de sorver um mate bem amargo, mate de macho, além
duma bombacha e um par de alpargatas, para usar na cidade
grande, embora corresse o risco de ser alvo de chacota quando saísse
à rua usando trajes da campanha. Não queria
esquecer os costumes do campo, não isto jamais, mesmo
depois de formado doutor.
Chegado o dia da partida, na véspera, antes de
dormir despediu-se da mãe, pois ia sair bem cedo. Não
queria choradeira, quando a mãe despertasse estaria
longe, lá na estação esperando a maria-fumaça,
queria que ficasse na lembrança da mãe como
despedida, apenas o apito do trem. Nas férias ia voltar
para o campo, matar a saudade da mãe e do irmão e
ajudar o pai no campo e, quem sabe, com os amigos que ficaram na
lida do campo, conduzir alguma tropa, para realizar o sonho de
guri tropeiro e não perder o contato com a liberdade do
campo, liberdade que sentia ao vento bater-lhe na melena,
liberdade que na cidade não encontraria. |