Nasceu perto dali, no capão do cipó,
lá no fundão da estância, à beira de
uma sanga cujas águas límpidas corriam mansamente
entre pedras e raízes. Certo dia, contra sua vontade,
deixou a tranqüilidade do capão do cipó e foi
morar na sede da estância. Tudo aconteceu quando, já
maduro e de casca grossa, numa manhã, quando o sol mal
tinha despontado no horizonte, o patrão apareceu com três
peões e uma moto-serra, olhou-o das raízes à
copada e disse: Vai ser este, por ser o mais reto e forte,
foi o escolhido para ser palanque no centro da mangueira.
Por ser forte e raçudo deu muito trabalho para o
patrão e os três peões e, após muita
luta, tombou de bruços na grama ainda molhada pelo
orvalho da noite. Logo que caiu, os algozes foram cortando os
seus membros superiores, seu tronco foi colocado numa carreta e
levado para morar no centro da mangueira, de onde passou a
comandar toda a lida da peonada. Pelo longo tempo vivido
naquela mangueira, ficou preto de tanto uso, era conhecido por
nego velho. Velho, mas de muita serventia, força e raça
não lhe faltavam. No centro da mangueira era a segurança
da peonada, na hora de apuro era só dar uma olhada e lá
estava o palanque de angico observando a lida, sempre pronto
para sinchar boi brazino, ou potro xucro. Passava as noites
solito, pensando nos que ficaram lá no capão do
cipó, será que ainda estavam lá? Ou teriam
levado o mesmo fim que ele levou, ser palanque de mangueira. Ou
quem sabe, palanque da porteira de entrada da estância.
Bem, aí seria melhor, pois além de não
fazer muito esforço, seria o guardião da estância,
ia ver muita gente importante passar na sua frente, dar bom dia,
boa tarde ou boa noite.
E ele, o 'nego' velho, a única glória que ia
levar para a eternidade era ter ficado preto de tanto sinchar
boi brazino e potro xucro, e ter a cabeça branca de coco
das corujas, às quais dava pousada todas as noites. Que
sina para quem nasceu na tranqüilidade da beira de uma
sanga de água cristalina, onde só ouvia o canto da
passarada, onde poderia, imponente e garboso, olhar por cima das
moitas e ver o sol se por no horizonte! Virar palanque de
mangueira. |