Imprimir texto Imprimir
Autor: Olegar Fernandes Lopes
Texto publicado no sítio da ACE em 22/10/2011
PALANQUE DE ANGICO
Nasceu perto dali, no capão do cipó, lá no fundão da estância, à beira de uma sanga cujas águas límpidas corriam mansamente entre pedras e raízes. Certo dia, contra sua vontade, deixou a tranqüilidade do capão do cipó e foi morar na sede da estância. Tudo aconteceu quando, já maduro e de casca grossa, numa manhã, quando o sol mal tinha despontado no horizonte, o patrão apareceu com três peões e uma moto-serra, olhou-o das raízes à copada e disse: Vai ser este, por ser o mais reto e forte, foi o escolhido para ser palanque no centro da mangueira.
Por ser forte e raçudo deu muito trabalho para o patrão e os três peões e, após muita luta, tombou de bruços na grama ainda molhada pelo orvalho da noite. Logo que caiu, os algozes foram cortando os seus membros superiores, seu tronco foi colocado numa carreta e levado para morar no centro da mangueira, de onde passou a comandar toda a lida da peonada.
Pelo longo tempo vivido naquela mangueira, ficou preto de tanto uso, era conhecido por nego velho. Velho, mas de muita serventia, força e raça não lhe faltavam. No centro da mangueira era a segurança da peonada, na hora de apuro era só dar uma olhada e lá estava o palanque de angico observando a lida, sempre pronto para sinchar boi brazino, ou potro xucro. Passava as noites solito, pensando nos que ficaram lá no capão do cipó, será que ainda estavam lá? Ou teriam levado o mesmo fim que ele levou, ser palanque de mangueira. Ou quem sabe, palanque da porteira de entrada da estância. Bem, aí seria melhor, pois além de não fazer muito esforço, seria o guardião da estância, ia ver muita gente importante passar na sua frente, dar bom dia, boa tarde ou boa noite.
E ele, o 'nego' velho, a única glória que ia levar para a eternidade era ter ficado preto de tanto sinchar boi brazino e potro xucro, e ter a cabeça branca de coco das corujas, às quais dava pousada todas as noites. Que sina para quem nasceu na tranqüilidade da beira de uma sanga de água cristalina, onde só ouvia o canto da passarada, onde poderia, imponente e garboso, olhar por cima das moitas e ver o sol se por no horizonte! Virar palanque de mangueira.